terça-feira, 27 de setembro de 2022
segunda-feira, 26 de setembro de 2022
Like a bridge over troubled water . Paul Simon
When you're weary
Feeling small
When tears are in your eyes
I will dry them all
I'm on your side
When times get rough
And friends just can't be found
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
When you're down and out
When you're on the street
When evening falls so hard
I will comfort you
I'll take your part
When darkness comes
And pain is all around
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
Like a bridge over troubled water
I will lay me down
Sail on, silver girl
Sail on by
Your time has come to shine
All your dreams are on their way
See how they shine
If you need a friend
I'm sailing right behind
Like a bridge over troubled water
I will ease your mind
Like a bridge over troubled water
I will ease your mind
sábado, 24 de setembro de 2022
sexta-feira, 23 de setembro de 2022
Mutual Friends . Divine Comedy
I just can't get her out of my mind
And I when I sleep I visualize her
I met her later at the nightclub
A mutual friend introduced us
We talked about the noise
And how its hard to hear your own voice
We talked and talked for hours
We talked in the back of our friend's car
As we all went back to his place
She told me that she really liked me
And I said, "Cool, the feeling's mutual"
We played old 45's
And said it's like the soundtrack to our lives
Then privately we danced
We couldn't seem to keep our balance
A drunken haze had come upon us
And we sang a song that I can't sing anymore
And then we kissed and fell unconscious
I stumbled out to find the bathroom
But all I found was her, wrapped around another lover
No longer then is he our mutual friend
Setembro . Rui de Noronha Ozório
Alguns gostam de Poesia . Wisława Szymborska
quarta-feira, 21 de setembro de 2022
Nalgum lugar em que eu nunca estive . Edward Estlin Cummings
nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas!
Capitão Romance . Ornatos Violeta . Manel Cruz
Não vou procurar quem espero
Se o que eu quero é navegar
Pelo tamanho das ondas
Conto não voltar
Parto rumo à primavera
Que em meu fundo se escondeu
Esqueço tudo do que eu sou capaz
Hoje o mar sou eu
Esperam-me ondas que persistem
Nunca param de bater
Esperam-me homens que resistem
Antes de morrer
Por querer mais do que a vida
Sou a sombra do que eu sou
E ao fim não toquei em nada
Do que em mim tocou
Eu vi
Mas não agarrei
Parto rumo à maravilha
Rumo à dor que houver pra vir
Se eu encontrar uma ilha
Paro pra sentir
E dar sentido à viagem
Pra sentir que eu sou capaz
Se o meu peito diz coragem
Volto a partir em paz
Eu vi
Mas não agarrei
Insónia . Quim Barreiros
Tem noite que dá uma, tem noite que dá duas
Tem noite que dá três, horas da madrugada
Enquanto não dá uma, não consegue dormir
Esta semana, sabes o que ela fez?
Deitou-se depois das duas
Só dormiu quando deu três
Some nights it's one, some nights it's two
There are nights that goes three, hours in the morning
While she's not getting any, she can't sleep
This week, do you know what she did?
She went to bed after two
But she didn't sleep until three
Visitas . Octávio Paz
o campo entra no meu quarto.
Estende braços verdes com pulseiras de pássaros,
com fivelas de folhas.
Leva um rio à mão.
O céu do campo também entra,
com o seu cesto de jóias acabadas de cortar.
E o mar senta-se ao meu lado,
estende a sua cauda branquíssima no solo.
No silêncio brota uma árvore de música.
Na árvore pendem todas as palavras formosas
que brilham, amadurecem e caem.
Na minha testa, uma caverna onde mora um relâmpago...
Porém, tudo se povoou com asas.
Diz-me: é deveras o campo que vem de tão longe,
ou és tu, são os sonhos que sonhas ao meu lado?
Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=264463 © Luso-Poemas
o campo entra no meu quarto.
Estende braços verdes com pulseiras de pássaros,
com fivelas de folhas.
Leva um rio à mão.
O céu do campo também entra,
com o seu cesto de jóias acabadas de cortar.
E o mar senta-se ao meu lado,
estende a sua cauda branquíssima no solo.
No silêncio brota uma árvore de música.
Na árvore pendem todas as palavras formosas
que brilham, amadurecem e caem.
Na minha testa, uma caverna onde mora um relâmpago...
Porém, tudo se povoou com asas.
Diz-me: é deveras o campo que vem de tão longe,
ou és tu, são os sonhos que sonhas ao meu lado?
Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=264463 © Luso-Poemas
o campo entra no meu quarto.
Estende braços verdes com pulseiras de pássaros,
com fivelas de folhas.
Leva um rio à mão.
O céu do campo também entra,
com o seu cesto de jóias acabadas de cortar.
E o mar senta-se ao meu lado,
estende a sua cauda branquíssima no solo.
No silêncio brota uma árvore de música.
Na árvore pendem todas as palavras formosas
que brilham, amadurecem e caem.
Na minha testa, uma caverna onde mora um relâmpago...
Porém, tudo se povoou com asas.
Diz-me: é deveras o campo que vem de tão longe,
ou és tu, são os sonhos que sonhas ao meu lado?
Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=264463 © Luso-Poemas
Análise . Fernando Pessoa
Tão abstracta é a ideia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco‑os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a ideia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter‑me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.
Do sonho e pouco da vida.
Kit de sobreviência . Raquel Serejo Martins
Comprei um pente para,
quando eu não estou,
tu próprio te despenteares
e um livro de poemas tristes
e um disco de canções tristes,
uma chaleira e um bule,
um stock de saquinhos de chá
suficiente para atravessar o Inverno,
para hibernar, chegar ao Verão,
um bloco de póstitos amarelos
para as notas importantes
e um lenço de mão,
não de linho mas 100% algodão,
com o um coração a ponto cheio bordado.
O mais difícil foi comprar um lenço assim,
quase não há bordadeiras,
mas queria um coração,
a metáfora do meu coração,
no teu bolso,
nas tuas mãos,
para secares os olhos,
para assoares o nariz.
Código Postal . João Negreiros
As paredes desta casa já viram tudo
o sono
a fome
e um tambor perdido no meio da batalha
viram inquilinos fugir à pressa e a treva que os ladrões
trouxeram
as bulhas que desaguaram em carícias
as portas que bateram por conta do vento e as janelas que
partiram por conta de nada
mas cada vez que um vinha e entrava dava a todos esta
morada
e o correio trazia para o mesmo destinatário as cartas de amor
de quem já não mora aqui
e eu não quero saber
abro-as e leio-as como se fossem minhas como se fossem tuas e violo-lhes a correspondência como se fosses tu
esqueço a letra e os erros de ortografia e imagino que me
escreves todos os dias
e quando perguntam se mora aqui a dona augusta
eu digo que sim que sou eu
e o senhor Gustavo?
sim sou eu
o doutor Américo?
é o meu pai
a dona Lourdes?
é a minha mãe
a Maria de Fátima?
é minha filha
e o correio não faz perguntas porque sabe que não se deve
perguntar nada a um homem apaixonado
e então faço de conta que os nomes sou eu
tapo o remetente imagino-te o nome e abro-a para sentir o
teu perfume
e a carta começa assim
excelentíssimo senhor e eu traduzo para meu querido
e depois continua com
venho por este meio e eu traduzo para amo-te mais que a
vida
e a carta do tribunal com aviso de recepção do homem que
morava aqui e que não pagava a renda é
a prova inequívoca de que me amas
todo aquele papaguear jurídico são longas descrições do país
exótico onde vives exilada
é por isso que não podes vir
é por isso que não podes escrever não te deixam
por isso escreves em código na pena dos que partiram
com cartas de tribunal e contas da luz antigas para me alumiar
a esperança pedindo-me que espere
e sempre que o telefone toca e é engano és tu
quando o galho comprido da árvore do vizinho bate na janela
és tu
quando buzinam na rua és tu
quando as crianças cantam lá fora é para te anunciar
eu sei não tardas estás para chegar
e quando chegares vais pedir desculpa pelo atraso
e vais dizer que fomos feitos um para o outro e que a vida
agora vai correr bem
e vais ser linda e dar-me beijos quentes como um abafo para
as orelhas
e vamos viver nesta casa um perpétuo amor uma vida perfeita sem nada que nos interrompa
e quando o carteiro chegar e fizer perguntas
dizemos que a dona Augusta não sou eu
dizemos que o senhor Gustavo não sou eu
que o doutor Américo era o meu pai mas morreu
que a dona Lourdes era minha mãe mas também se foi logo a
seguir com o desgosto
que a Maria de Fátima a minha pequenina de um casamento
antigo foi com a mãe para a Suíça
e que aqui moramos nós
sem história
sem família
sem passado
nesta paz que não existe
neste amor que nunca foi
mas que é para sempre
Horário de saída . Raquel Serejo Martins
Saio às seis
e podias fazer-me uma surpresa,
não um ramo de flores
mas o teu sorriso à porta,
tu do outro lado da rua,
tu, sem gravata, sem embrulho,
o meu presente.
Depois, a dois, maybe a tea for two,
maybe tea with blueberry scones,
ou podíamos descer a avenida,
ver o Outono nas árvores,
as montras das livrarias,
animais em extinção nas livrarias,
ficar indecisos em frente ao cinema,
se pelo menos fosse um filme francês,
passear junto ao rio entre
turistas coloridos e coloridos desportistas,
beber uma cerveja, comer amendoins,
contavas aquela anedota com amendoins que me faz
sempre rir,
depois contavas as tuas discussões em casa,
eu contava as minhas discussões em casa,
e voltávamos a rir,
conseguíamos rir das mesmas coisas que antes nos deixaram tristes,
enquanto nos tocávamos com carinho,
arrumávamos um ao outro uma madeixa de cabelo
que não precisava ser arrumada
só pelo prazer dos gestos,
enquanto os meus olhos nos teus olhos cor de ameixa,
talvez entrássemos no nosso hotel,
tem a Alcachofra do Poul Henningsen,
os dois sabíamos o nome do candeeiro,
tem um não sei quê de avestruz,
os dois gostamos de candeeiros,
de tecto, de pé, de mesa,
somos esquisitos no que toca a luz.
Talvez entrássemos no nosso hotel
e não para fazer sexo com amor,
para fazer amor com sexo,
mas para, vestidos, provavelmente descalços,
os dois ridículos de meias,
meias às riscas, quase aposto,
somos esquisitos no que toca a meias,
lado a lado, deitados na cama,
de olhos no Alcachofra do tecto,
de mãos dadas, chorarmos sem ninguém mais nos ver.
Almas perfumadas . Carlos Drummond de Andrade
Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta.
De sol quando acorda.
De flor quando ri.
Ao lado delas, a gente se sente
no balanço de uma rede que dança gostoso
numa tarde grande, sem relógio e sem agenda.
Ao lado delas, a gente se sente
comendo pipoca na praça.
Lambuzando o queixo de sorvete.
Melando os dedos com algodão doce
da cor mais doce que tem pra escolher.
O tempo é outro.
E a vida fica com a cara que ela tem de verdade,
mas que a gente desaprende de ver.
Tem gente que tem cheiro de colo de Deus.
De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul.
Ao lado delas, a gente sabe
que os anjos existem e que alguns são invisíveis.
Ao lado delas, a gente se sente
chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo.
Sonhando a maior tolice do mundo
com o gozo de quem não liga pra isso.
Ao lado delas, pode ser abril,
mas parece manhã de Natal
do tempo em que a gente acordava e encontrava
o presente do Papai Noel.
Tem gente que tem cheiro das estrelas
que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos
acender na Terra.
Ao lado delas, a gente não acha
que o amor é possível, a gente tem certeza.
Ao lado delas, a gente se sente visitando
um lugar feito de alegria.
Recebendo um buquê de carinhos.
Abraçando um filhote de urso panda.
Tocando com os olhos os olhos da paz.
Ao lado delas, saboreamos a delícia
do toque suave que sua presença sopra no nosso coração.
Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa.
Do brinquedo que a gente não largava.
Do acalanto que o silêncio canta.
De passeio no jardim.
Ao lado delas, a gente percebe
que a sensualidade é um perfume
que vem de dentro e que a atração
que realmente nos move não passa só pelo corpo.
Corre em outras veias.
Pulsa em outro lugar.
Ao lado delas, a gente lembra
que no instante em que rimos Deus está conosco,
juntinho ao nosso lado.
E a gente ri grande que nem menino arteiro.
Tem gente como você que nem percebe
como tem a alma Perfumada!
E que esse perfume é dom de Deus.
Pimba, pimba . Emanuel
Oiçam bem com atenção
Todos temos o dever
De dar às nossas mulheres
Muito carinho e afeição
Donas do nosso coração
Se somos meigos pra elas
Da nos tudo tudo tudo
Com toda a dedicação
Abraço ou um beijinho
Nós pimba nós pimba
E se elas querem muito
Amor muito carinho
Nós pimba nós pimba
E se elas querem um
Encosto à maneira
Nós pimba nós pimba
E se elas querem à
Noitinha brincadeira
Nós pimba nós pimba
E não me digam que não
Temos de lhes dar amor
Nunca nunca as deixar sós
E consolar seu coração
São-nos muito dedicadas
Por isso rapaziada
Convém que elas sintam
Que por nós são muito amadas
Não venhas tarde . Carlos Ramos
Dizes-me tu com carinho
Sem nunca fazer alarde
Do que me pedes, baixinho
E eu peço a Deus que no fim
Teu coração ainda guarde
Um pouco de amor por mim
Que eu vou pra outra mulher
Que ela me prende também
Que eu só faço o que ela quer
Que te minto e sou cobarde
Mas sabes dizer, sorrindo
Meu amor, não venhas tarde
Dizes-me sem azedume
Quando o teu coração arde
Na fogueira do ciúme
Dizes-me tu da janela
E eu venho sempre mais tarde
Porque não sei fugir dela
Eu confesso, tenho medo
Que tu me digas um dia
Meu amor, não venhas cedo
Pois nunca sei onde vais
Que eu chegue cedo algum dia
E seja tarde demais
My Imaginary Friend . Divine Comedy
Would you like to meet my little friend?
Don't try to shake his hand, he's just pretend
His name is Benjamin, that's his name
My mama says, "You're insane
Boy, you really are the end
You and your imaginary friend"
Daddy drives the mobile library
He works peripatetically, that's right
He doesn't get much time to play with us
So we just read and make up stuff
And it drives him round the bend
Me and my imaginary friend
One day we're gonna play hide and seek
And Ben will be up the creek
Never to be seen again
He'll disappear the day that childhood ends
And reality descends
I'll never forget you my imaginary friend
A lucidez perigosa . Clarice Lispector
Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
-----------
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.
Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.
Espectáculo . Sérgio Godinho
Estarei no campo, cabeça ao sol
A avançar pé ante pé
Para uma bola que está à espera de um pontapé
À espera de um penalty
Que eu vou transformar para ti
Vou rematar e o golo que eu fizer
Ficará sempre na rede
A libertar-nos da sede
Ficará sempre na rede
A libertar-nos da sede
Desce-me essa escada e vem deitar-te na grama
Vem falar comigo como gente que se ama
Até não se poder mais, vamos jogar
Estarei no palco, cabeça ao sol
Ao sol da noite das luzes à espera dum outro sol
E que os teus olhos os uses como quem usa um farol
Desce p'a cortina e acompanha-me em cena
Vamos dar à perna como gente que se ama
Até não se poder mais, vamos bailar
Estarei no écran, pés assentes no chão
A fazer publicidade
Mas desta vez da verdade
Mas desta vez da alegria
De duas mãos agarradas
Mão a mão, dia a dia
Desce pela antena, vem comigo ao programa
Vem falar à gente como gente que se ama
Até não se poder mais, vamos cantar
Vem devagar e apaga-me a luz (devagar)
Que a luz dest'outra ribalta às vezes não me seduz (não seduz)
Às vezes não me faz falta às vezes não me seduz (não faz falta, não seduz)
Às vezes não me faz falta às vezes não me seduz (não faz falta, não seduz)
às vezes não me...
Protocolo . Anderson Antonangelo
peguei o teu último beijo
que me deste enquanto partias
corri logo até o cartório
e o registrei em quatro vias
um beijo tão doloroso que
carregava o nosso passado
com a firma reconhecida
era, então, beijo protocolado
tirei cópias autenticadas
e plastifiquei o meu ofício
guardei-o na gaveta mais funda
para durar, ali, vitalício
com o tempo, ali, no escuro
o beijo foi perdendo suas cores
virou vaga, distante lembrança
dos beijos todos anteriores
apagou-se, por fim, por completo
dos papéis e do meu pensamento
já não tenho a ti, nem teu beijo
nem identidade, nem documento
De cor . João Negreiros
Nunca digo à minha mãe que a amo porque sei que ela sabe, mas como sei que ela gosta de ouvir digo à mesma como se não soubesse.
O amor só se sabe quando se tem a certeza e para se ter a certeza é preciso dizê-lo e repeti-lo muitas vezes até se saber de cor.
O amor só sabe bem quando se sabe de cor. Decorei isto para ti, mãe… espero que gostes.
Probleminha de física . Anderson Antonangelo
numa superfície lisa sem atrito
de uma sala de aula nas CNTP e
sob gravidade arredondada de 10 m/s²
um professor, sem resistência do ar,
pede que se calcule, em coulombs, a
carga de uma secção reta do condutor
considerando-se que o gerador é ideal
e a corrente elétrica constante
numa outra sala qualquer
reafirmam incisivamente
que o poeta é um fingidor
e que o amor é platônico
oração sobre sentimentos essenciais . Bênção Nahuatl
Eu liberto meus pais do sentimento de que já falharam comigo.
Eu liberto meus filhos da necessidade de trazerem orgulho para mim. Que possam escrever seus próprios caminhos de acordo com seus corações, que sussurram o tempo todo em seus ouvidos.
Eu liberto meu parceiro da obrigação de me completar. Não me falta nada, aprendo com todos os seres o tempo todo.
Agradeço aos meus avós e antepassados, que se reuniram para que hoje eu respire a vida. Libero-os das falhas do passado e dos desejos que não cumpriram, consciente de que fizeram o melhor que puderam para resolver suas situações dentro da consciência que tinham naquele momento. Eu os honro, os amo e os reconheço inocentes.
Eu me desnudo diante de seus olhos. Por isso, eles sabem que eu não escondo nem devo nada além de ser fiel a mim mesmo e à minha própria existência, que caminhando com a sabedoria do coração, estou ciente de que cumpro o meu projeto de vida, livre de lealdades familiares invisíveis e visíveis que possam perturbar minha Paz e Felicidade, que são minhas únicas responsabilidades.
Eu renuncio ao papel de salvador, de ser aquele que une ou cumpre as expectativas dos outros.
Aprendendo por meio e somente por meio do AMOR, eu abençoo minha essência, minha maneira de expressar, mesmo que alguém possa não me entender.
Eu entendo a mim mesmo, porque só eu vivi e experimentei minha história. Porque me conheço, sei quem sou, o que sinto, o que faço e por quê faço.
Eu me respeito e me aprovo.
Eu honro a Divindade em mim e em você.
Somos livres!
*Dizem que essa antiga bênção foi criada no idioma Nahuatl, falado desde o século VII na região central do México. Ela trata de perdão, carinho, desapego e libertação.
Um tempo que passou . Chico Buarque e Sérgio Godinho
Uma vez mais
Correr atrás
De todo o meu tempo perdido
Quem sabe, está guardado
Num relógio escondido por quem
Nem avalia o tempo que tem
Alguém o achou
Examinou
Julgou um tempo sem sentido
Quem sabe, foi usado
E está arrependido o ladrão
Que andou vivendo com meu quinhão
Um pedaço de vida
A vida, a vida que eu não gozei
Eu não respirei
Eu não existia
Vivo, vivo
O tempo escorreu
O tempo era meu
E apenas queria
Haver de volta
Cada minuto que passou sem mim
Encontro enfim
Iguais a mim
Outras pessoas aturdidas
Descubro que são muitas
As horas dessas vidas que estão
Talvez postas em grande leilão
Mais de um milhão
Uma legião
Um carrilhão de horas vivas
Quem sabe, dobram juntas
As dores coletivas, quiçá
No canto mais pungente que há
As nossas sobrevidas
Vidas, vidas
A se encantar
A se combinar
Em vidas futuras
Morrem de rir
Mas morrem de rir
Naquelas alturas
Pois sabem que não volta jamais
Um tempo que passou
Índios . Legião Urbana
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
Conseguiu me convencer que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha
Esquecer que acreditei que era por brincadeira
Que se cortava sempre um pano de chão
De linho nobre e pura seda
Explicar o que ninguém consegue entender
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
Fala demais por não ter nada a dizer
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três
E esse mesmo Deus foi morto por vocês
Sua maldade, então, deixaram Deus tão triste
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes
Fazer com que o mundo saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz ao menos obrigado
Como a mais bela tribo
Dos mais belos índios
Não ser atacado por ser inocente
Assim pude trazer-te de volta pra mim
Quando descobri que és sempre só tu
Que me entendes do início ao fim
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi
Tentei chorar e não consegui
Quem és tu de novo . Jorge Palma
Quando a janela se fecha e se transforma num ovo
Ou se desfaz em estilhaços de céu azul e magenta
E o meu olhar tem razões que o coração não frequenta
Por favor diz-me quem... és tu, de novo?
Quando o teu cheiro me leva às esquinas do vislumbre
E toda a verdade em ti é coisa incerta e tão vasta
Quem sou eu para negar que a tua presença me arrasta?
Quem és tu, na imensidão... do deslumbre?
As redes são passageiras, as arquitecturas da fuga
De toda a água que corre, de todo o vento que passa
Quando uma teia se rasga ergo à lua a minha taça
E vejo nascer no espelho mais uma ruga
Quando o tecto se escancara e se confunde com a lua
A apontar-me o caminho melhor do que qualquer estrela
Ninguém me faz duvidar que foste sempre a mais bela
Por favor, diz-me que és alguém, de novo?
Quando a janela se fecha e se transforma num ovo
Ou se desfaz em estilhaços de céu azul e magenta
E o meu olhar tem razões que o coração não frequenta
Por favor diz-me quem... és tu, de novo?
Quando eu for grande . José Mário Branco
Um bichinho pequenino
Na mão de qualquer menino
Mais pequeno que uma noz
P'ra tudo o que eu sou caber
Na mão de qualquer de vós
Uma laje de granito
Tudo em mim se pode erguer
Quando me pisam não grito
Uma pedra do asfalto
O que lá estou a fazer
Só se nota quando falto
Ponte de uma a outra margem
Para unir sem escolher
E servir só de passagem
Como o rio dessa ponte
Nunca parar de correr
Sem nunca esquecer a fonte
Um bichinho pequenino
Quando eu for grande quero ser
Mais pequeno que uma noz
Quando eu for grande quero ser
Uma pedra do asfalto
Quando eu for grande...
O tamanho que não tenho
P'ra nunca deixar de ser
Do meu exacto tamanho
O vestido amarelo . Raquel Serejo Martins
Depois da análise virtual, cor, materiais, corte, tamanho, preço, disponibilidade em loja, depois da devida aprovação, hoje fui de propósito à loja experimentar o (artigo definido) vestido amarelo.
Um amarelo entre o amarelo gema de ovo e o amarelo canário sem a acidez do amarelo limão.
E na loja encontrei o vestido, achei-o mais bonito do que na fotografia, quero dizer o amarelo, imaginei um dia de calor amarelo, 100% algodão, definitivamente Junho, sair a horas do trabalho, uma esplanada, um refresco, já ninguém diz refrescos, e enfiei-me com o vestido no provador, para cinco minutos depois, menos de cinco minutos depois, o meu sorriso amarelo cor de ameixa em frente ao espelho, o vestido não queria nada comigo apesar das minhas melhores intenções.
Talvez se eu tivesse mais um palmo ou menos... e novidade nenhuma.
Assim, devolvi o vestido ao cabide, vesti-me como um lutador de boxe, vencido, despe as luvas e, sobre a compra que não fiz, incomodei-me pelo tempo que perdi, estava melhor a ler um livro, pensei, a minha unidade de medida para todos os tédios, e mais me incomodei por ter já no armário um vestido amarelo, amarelo gengibre, e um vestido amarelo é mais que suficiente, o consumismo devora o planeta e a felicidade não depende da quantidade, não sejas mais um rato às voltas na roda, não comas mais chocolate, pequena, mas os amarelos são difíceis de encontrar, e este era tãoooo diferente, o corte, os bolsos, os botões, e sim há dias em que sou uma pessoa assim.
terça-feira, 20 de setembro de 2022
Estado Agudo de Felicidade . Clarice Lispector
Com duas pessoas eu já entrei em comunicação tão forte que deixei de existir, sendo. Como explicar? Olhávamo-nos nos olhos e não dizíamos nada, e eu era a outra pessoa e a outra pessoa era eu. É tão difícil falar, é tão difícil dizer coisas que não podem ser ditas, é tão silencioso.
Como traduzir o profundo silêncio do encontro entre duas almas? E dificílimo contar: nós estávamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes.
Éramos um só ser. Esses momentos são o meu segredo.
Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isso de: estado agudo de felicidade. Estou terrivelmente lúcida e parece que estou atingindo um plano mais alto de humanidade.
Foram os momentos mais altos que jamais tive.
A Nossa Vitória de cada Dia . Clarice Lispector
Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceite o que não se entende porque não queremos passar por tolos.
Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.
Não nos temos
entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a
tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor
diga: tens medo.
Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda.
Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes.
Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios.
Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa.
Falar no que realmente
importa é considerado uma gaffe.
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a
tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingénuos para não rirmos
de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer «pelo menos não
fui tolo» e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz.
Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.
Todos irão sempre contra ti porque tens pureza . Hilda Hilst
Todos irão sempre contra ti
porque tens pureza.
Porque o agitado de tuas mãos
é quase nostálgico.
Porque teus olhos
ficarão abertos
para quem os viu
uma única vez.
Todos irão sempre contra ti
porque hás de querer
um mundo novo e diferente.
Porque és estranho
e diferente para o nosso mundo.
És quase um louco
porque não dás atenção
a toda gente.
Dirão que és poeta.
Porque a poesia aparece nos teus gestos
como aparece fé na oração de um crente.