quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Análise . Fernando Pessoa

 

Tão abstracta é a ideia do teu ser

Que me vem de te olhar, que, ao entreter

Os meus olhos nos teus, perco‑os de vista,

E nada fica em meu olhar, e dista

Teu corpo do meu ver tão longemente,

E a ideia do teu ser fica tão rente

Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me

Sabendo que tu és, que, só por ter‑me

Consciente de ti, nem a mim sinto.

E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto

A ilusão da sensação, e sonho,

Não te vendo, nem vendo, nem sabendo

Que te vejo, ou sequer que sou, risonho

Do interior crepúsculo tristonho

Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.

        Do sonho e pouco da vida.

Sem comentários:

Enviar um comentário