terça-feira, 20 de setembro de 2022

Pergunta-me . Mia Couto

Pergunta-me 

se ainda és o meu fogo 

se acendes ainda 

o minuto de cinza 

se despertas 

a ave magoada 

que se queda 

na árvore do meu sangue 


Pergunta-me 

se o vento não traz nada 

se o vento tudo arrasta 

se na quietude do lago 

repousaram a fúria 

e o tropel de mil cavalos 


Pergunta-me 

se te voltei a encontrar 

de todas as vezes que me detive 

junto das pontes enevoadas 

e se eras tu 

quem eu via 

na infinita dispersão do meu 

ser se eras tu 

que reunias pedaços do meu poema 

reconstruindo 

a folha rasgada 

na minha mão descrente 


Qualquer coisa 

pergunta-me qualquer coisa 

uma tolice 

um mistério indecifrável 

simplesmente 

para que eu saiba 

que queres ainda saber 

para que mesmo sem te responder 

saibas o que te quero dizer

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