terça-feira, 20 de setembro de 2022

Pesca à linha . Raquel Serejo Martins

Como um pescador 

sentado numa cadeira de metal e lona, 

dessas que se compram na Decathlon, 

com um buraco no braço, 

e a dimensão perfeita 

para arrumar um copo, 

uma garrafa de cerveja. 

Como um pescador 

de olhos na linha do horizonte, 

Porto Brandão, Trafaria, 

a pensar na vida, 

a pensar em nada. 

Como um pescador 

chapéu de pescador, 

frasco com isco vivo, 

cesto de vime, 

a vigiar as três canas de pesca que enfiou no chão de Belém. 

Como um pescador, 

sentado na cadeira do escritório, 

sobre a secretária, 

não um aquário, 

uma planta num vaso, 

uma fotografia de família, 

uma garrafa de plástico com água alcalina, 

gostava de passar um dia 

de olhos na linha do horizonte, 

horizonte nenhum, 

persianas, janelas, traseiras de prédios, 

mais janelas, persianas, escritórios, 

a pensar na vida, 

a pensar em nada, 

a vigiar rato, teclado e computador, 

a tentar perceber como seria diferente o meu dia, 

o valor da minha pescaria, 

o tamanho da minha fome, 

não de peixes mas de pescadores.

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