terça-feira, 20 de setembro de 2022

Poema tricentésimo sexagésimo quarto de 365 dias . Vitor Hugo Moreira

 Penso-te no sossego das horas. A mão martelando contra o peito construindo migalhas de fome de saudades. Depois te encontro... O cheiro do caminho sobre as roupas e as mãos luzindo sobre as outras mãos. E os olhos universais se beijam comungando na potência da verdade, sermos invasores das vontades e das loucuras. Das palavras moucas em bocas surdas. Encantar-nos nas flautas transversais dos beijos afogueados. Agora que nos cruzamos nas esquinas da cidade, com duas almas estrangeiras, vindas de outros países com pássaros nos olhos e estações do ano nos braços, escutamos as palavras que se atravessam dentro de nós como casas limpas. Batemos à porta e escutamos o ranger da madeira do lado de dentro, o coração a abrir-se por fora das molduras dos sonhos e a deixar-nos entrar. Sacudimos os olhos como quem sacode os pés na entrada da casa, e colhemos um ramo de flores que deixamos o cheiro entrar sobre os dedos, e um sorriso de infantis palavras no rosto atravessam os corredores preenchidos por tempos de espera. Na cidade chove e está tudo fechado. Amontoam-se pessoas às portas dos bares com noites liquidas onde se consegue ver através da escuridão as mãos que conseguem ver além dos deuses, os cães rangem os dentes no lugar das palavras provisórias e no relógio decibéis de silêncios chamam para a mesa o coração dos vivos. Mas ali estamos nós, nas crenças sem descanso vendo um coração habitado e um pensamento irreparável cobrindo as videiras a quem o sol domou e acabar com a dor da povoação das ruas vazias. E diante de nós nenhum pequeno caminho segura um segundo de todo um passado, vai lenta a noite à nossa frente e nós olhamos para as cores da transição das distâncias sem atalhos, porque a tudo nos pertence enquanto olhamos com os olhos de tudo ser sentir. No espelho da casa, o sonho dorme, e a boca fala a verdade como a papoila desce sobre o brilho da lua cheia no desassossego da saudade e da memória e só a poeira do caminho nos confunde os movimentos, se partimos ou ficamos. E sobre as janelas, olhamos para a roupa estendida do outro lado da rua, e escutávamos todas as filosofias de quem naquela roupa habitava, com as suas dores e os seus cheiros. 

E nós aqui, 

Tão nus e divinos e humanos, 

Bebendo o vinho traficado de boca em boca 

E com palavras tão primitivas 

Da nossa infância florescida no nosso encontro. 

No bolso, 

Agora trazemos algumas moedas, berlindes e o cheiro a coco 

E a cidade chuvosa em que o mundo chora a nossa saudade.

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